Neste dezembro o 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC), denominado Batalhão General Couto de Magalhães, celebra os 101 anos de sua criação, em 26 de dezembro de 1917, na cidade gaúcha de São Gabriel. Depois de sediado em algumas cidades e de receber outros nomes, o batalhão foi instalado em Cuiabá no dia 31 de janeiro de 1971, com a denominação atual e a missão de construir parte da rodovia BR-163 no sentido Sul-Norte. Na sexta-feira, 7, numa solenidade alusiva à criação, seu comandante, o coronel André Luiz Vieira Cassiano recebeu militares, autoridades civis e ex-militares, para celebrar a data.
Para registrar o maior feito do 9º BEC, este site posta o capítulo “Três mineiros e uma rodovia“, do livro “Nortão BR 163: 46 anos depois“, publicado em 2016 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, que narra a abertura da grande longitudinal, que em Mato Grosso é chamada de Cuiabá-Santarém, e no Pará, de Santarém Cuiabá.
Três mineiros e uma rodovia
Antes de se escrever sobre a BR-163 ao norte de Cuiabá é preciso abordar seus idealizadores, os mineiros de Diamantina, Couto Magalhães e Juscelino Kubitschek. De igual modo é imprescindível focalizar o coronel José Meirelles, também nascido em Minas, que foi o comandante militar responsável pela implantação do maior trecho daquela rodovia.
José Vieira Couto de Magalhães foi um grande estrategista. Jornalista, historiador, poliglota, advogado e militar, governou as capitanias de Goiás, São Paulo e Mato Grosso (02 de fevereiro de 1857 a 13 de abril de 1868). Antes de combater os paraguaios na retomada de Corumbá, Couto Magalhães criou uma logística para transportar combatentes paraenses ao teatro da guerra que o Brasil juntamente com a Argentina e o Uruguaio travavam com o Paraguai (1864/1870). Ele construiu navios em Cuiabá, mandou desmontá-los e transportá-los em lombo de burros e carros de bois até Araguaiana, onde seriam remontados e navegariam até o território paraense.
Couto Magalhães sentiu a necessidade de se criar uma rota segura entre Cuiabá e Santarém. Juscelino, o maior estadista brasileiro, abraçou esse projeto e, em 1957, anunciou o plano para criar uma cruz rodoviária na Amazônia ligando o Brasil de leste a oeste e de norte ao sul. Em suma JK sonhava com a construção da Transamazônica (MT-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163). Essa cruz mais tarde ganharia forma rodoviária no município paraense de Itaituba, onde as duas rodovias se cruzam.
Meirelles foi o primeiro comandante do 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) unidade militar criada em 29 de julho de 1970 em substituição ao 3º Batalhão Rodoviário instalado em Carazinho, no Rio Grande do Sul.
O 9º BEC foi instalado no dia 31 de janeiro de 1971, em Cuiabá, mas desde setembro do ano anterior seus efetivos e funcionários civis trabalhavam na construção da 163.
A obra da 163 foi delegada ao Exército pelo Ministério dos Transportes e sua execução era considerada estratégica dentro do Plano de Integração Nacional para a ocupação do vazio demográfico amazônico. Dois bordões a inspiravam “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. Meirelles deveria executá-la até a divisa com o Pará, numa extensão de 793 quilômetros, onde o 9º BEC se encontraria com o 8º BEC, de Santarém. Porém, o ritmo dos trabalhos foi tão intenso que a frente da obra rumo norte estendeu seu trecho ao córrego Santa Júlia, no Pará, 321 quilômetros à frente perfazendo a extensão de 1.114 quilômetros.
Discreto, Meirelles evitava citar nomes importantes na construção. Porém, numa de nossas conversas em sua casa, revelou-me que o topógrafo civil Antônio Nunes Severo Gomes foi exemplar. No comando, o coronel defendia junto ao Incra a regularização fundiária do eixo da rodovia e colaborava com os projetos privados de colonização no Nortão.
Sobre a obra Meirelles falava pouco. Mesmo assim arranquei duas informações dele que julgo importantes: foi a companhia aérea Cruzeiro do Sul a executora do serviço de aerofotogrametria da 163. Os acampamentos eram montados às margens dos rios, o que contribuía para o aumento da incidência da malária. Isso o levou a construir carroções montados sobre chassis e os rebocava na medida em que a frente de serviço avançava. As gerigonças foram apelidadas de “Circo do Meirelles”, mas reduziram a taxa da doença. O 9º BEC estava no auge da popularidade. Para evitar possíveis ciumeiras por parte do 16º Batalhão de Caçadores (rebatizado 44º Batalhão de Infantaria Motorizado) em Cuiabá, mineiramente ele criou o conciliador slogan “Integração é com o 9º BEC e Segurança com o 16º Batalhão de Caçadores”.
Quantos tombaram na construção da BR-163 em Mato Grosso? Não há resposta precisa. Uma placa à margem da rodovia em Novo Progresso (PA) relaciona 21 militares e civis mortos vítimas de acidentes, malária e outras causas. Porém esse número pode ser muito maior, porque soldados e trabalhadores na obra contraíram malária e após seus desligamentos do 9º BEC não há registros sobre cura ou óbito.
Em 1992 Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá com Meirelles de vice. Em meados de 1994 Dante deixou a prefeitura para disputar e vencer a eleição ao governo e Meirelles assumiu o cargo. Certa feita me confidenciou que esteve a um passo da renúncia, diante das pressões de vereadores por dinheiro sujo.Legalista e avesso à corrupção, planejou deixar a prefeitura, mas sua mulher Zulmira Meirelles não permitiu que o fizesse, para não macular sua biografia. Em 28 de agosto de 2012, aos 89 anos, quando fechou os olhos pela última vez, vencido por um choque hemorrágico causado por um aneurisma, Meirelles levou para o túmulo seu desencantando com a Câmara Municipal de Cuiabá, que segundo ele, era abominável.
Em 20 de outubro de 1976, na Cachoeira do Curuá, área em litígio entre Mato Grosso e Pará, mas sob tutela paraense, o presidente Ernesto Geisel inaugurou a rodovia. Geisel estava acompanhado pelos ministros Sílvio Frota (Exército) e Dirceu Nogueira (Transportes), e dos governadores Garcia Neto e Aloísio da Costa Chaves (Pará).
A 163 é uma longitudinal com 4.447 quilômetros. Começa em Tenente Portela (RS), cruza Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e termina em Acotipa, no Pará, na fronteira com o Suriname.
O trecho entre Cuiabá e Santarém é chamado de Cuiabá-Santarém e tem 1.770 quilômetros. A 163 liga o centro geodésico da América do Sul ao porto de Santarém, na foz do Tapajós no Amazonas. No Pará seu nome é Santarém-Cuiabá.
Partindo do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na área metropolitana de Cuiabá, a 163 tem um trecho de 155 quilômetros coincidente com a BR-364. Em Posto Gil, município de Diamantino, as duas rodovias se bifurcam: a 364 avança rumo oeste pelo Chapadão do Parecis, para Rondônia, e a outra segue em direção norte, para Santarém.
Em Posto Gil, rumo norte, começa o trecho isolado da Cuiabá-Santarém, que em Mato Grosso cruza os perímetros urbanos de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte.
Em 2016, transcorridos 40 anos da inauguração a rodovia está pavimentada em Mato Grosso, mas restam mais de 160 quilômetros encascalhados no lado paraense até Santarém. A 163 está em obra de duplicação no trecho de 850 quilômetros entre o município de Itiquira, na divisa com Mato Grosso do Sul até Sinop. Essa obra é híbrida, executada pelo governo federal e a concessionária Rota do Oeste, que explora a rodovia em regime de concessão por 30 anos a contar de março de 2014.
Na margem esquerda do Amazonas, após Santarém, onde a 163 não se chama mais Santarém-Cuiabá, existem trechos encascalhados, e parte do traçado ainda não saiu do papel.
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Fonte: www.boamidia.com.br
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